Bakuman, a Função da Crítica e a Essência de um Shounen


Nesse mês me dediquei a terminar as duas temporadas restantes (cada uma contendo 25 episódios) de um anime chamado Bakuman. A primeira temporada (também de 25 eps) eu já tinha assistido a um tempo atrás e tinha achado bem interessante, diferente e divertida, pois se tratava de uma história de dois caras que queriam fazer mangás, ou seja, uma história sobre trabalho! Fiquei intrigado com a maneira que o anime conseguiu prender a minha atenção, criar situações tensas e cenários empolgantes em cima de um tema que não é de se imaginar que consiga proporcionar tudo isso. E o melhor de tudo, é que o show consegue ser sério e crível quanto a representar a dureza de trabalhar nesse meio, mesmo com um estilo de comédia e diálogos, posturas e expressões corporais mais voltado pra constantes caricaturas. É uma obra que consegue equilibrar quase que perfeitamente seriedade e comédia, que por consequência acaba sendo um dos seus maiores pontos fortes. Só que nas seasons 2 e 3 o show conseguiu aprimorar tudo aquilo que já era bom e no fim conseguiu construir uma das obras mais divertidas, profundas e importantes para mim como pessoa!


Quem diria que um anime sobre trabalhar seria tão bacana?

Se tem uma palavra-chave que define Bakuman, ela é "equilíbrio", pois praticamente tudo nele funciona devido a sintonia que há entre cada um dos aspectos que o compõe e o mais interessante é que alguns estão veiculados a dois conceitos discordantes: humor (felicidade, alegria e alto astral) e seriedade (melancolia, frustração e desafio). Como se trata de uma história sobre fazer mangás, obviamente detalhes da produção de um tem que ser explicados aos expectadores e provavelmente grande parte deles consiste de leigos do ramo. Um grande mérito da obra é conseguir sempre um espaço no roteiro para explicar as coisas importantes sem necessitar de recursos de roteiro e ela contextualiza bem a presença de dúvidas que os personagens apresentam, desse modo matando dois coelhos com um tiro só, porque ao tirar a dúvida de um personagem o mesmo ocorre com o público. Outro ponto similar está no conteúdo exposto, quero dizer, o show não conta com a presença de explicações em excesso para não correr o risco de sobrecarregar ninguém com um grande número de informações ou tornar a narrativa chata, contudo nada é abordado de maneira superficial, ele entra em detalhes específicos e os apresenta adequadamente. Os momentos de vitória e triunfo dos personagens quanto a aprovação de um trabalho na editora ou uma posição alta no ranking de avaliações dos trabalhos publicados são sempre retratados com grande intensidade nas partes que cobrem sentimentos de conquista e felicidade, afinal a todo momento vemos o quão absurda é a dificuldade de produzir um manuscrito e ainda mais de tê-lo aprovado e bem sucedido! Esses motivos também justificam a determinação anormal dos personagens quanto à aprimorar os seus trabalhos, manter uma serialização é complicadíssimo e são coisas que conectam com a intenção da história de querer transmitir uma mensagem positiva de esforço, dedicação e paixão pela função exercida no mercado de trabalho!

A produção se mantém a mesma durante todas as seasons. Não tenho muito o que falar sobre a animação, não há nada pra reclamar, ao mesmo tempo que não há muito o que elogiar. É um anime com uma arte visual bastante estática e limpa, apesar de possuir character designs estilosos e carismáticos. A dublagem é ótima, a direção cumpre bem seu papel e tem boas soundtracks. Em resumo, tem uma produção "ok", ainda mais considerando sua proposta. Enquanto a franquia não se destaca nesses quesitos, quando se trata de enredo e personagens ela não poupa esforços. A partir da segunda temporada as dificuldades do objetivo dos protagonistas foi ficando cada vez mais intensa! Prazos de entrega curtos, problemas de saúde, ranking de popularidade, riscos de cancelamento, maus aconselhamentos dos editores responsáveis pela serialização e outras barreiras tornam-se visíveis e mais problemáticas que as vistas na primeira temporada. Os personagens secundários ganharam mais destaque e todos demonstram diferentes motivações, especialidades e problemas pessoais na vida que muitas vezes afetam o trabalho dos mesmos. E por falar nisso, a parte da história que cobre a vida pessoal dos personagens é meio difícil de acreditar... Claro que são bem escritas e importantes para o desenvolvimento deles, mas são recheadas de coincidências boas demais pra ser verdade. Nesse aspecto o anime perdeu um pouco do brilho. Porém não posso dizer o mesmo do lado da história que foca na vida profissional dos personagens!! Além das dificuldades, elas também trabalham em cima de situações corriqueiras, só que curiosas, da rotina de uma mangaká, como a disposição para trabalhar em 2 (duas) publicações ao mesmo tempo, por exemplo, e pontos de discussão interessantes, polêmicos e profundos, que é aonde quero me aprofundar mais sobre.

Cada um em Bakuman tem seu momento, mesmo que ele seja breve.

A abordagem dessas discussões é mais presente na terceira temporada, que a propósito aborda e trabalha as melhores, como o conflito entre autor e editora (dona dos direitos de publicação), vista na parte em que Nizuma Eiji, rival dos protagonistas, [INÍCIO DOS SPOILERS]revela que a obra que ele queria finalizar, caso virasse o melhor autor da revista, era a dele!!! O motivo é óbvio: o mesmo gostaria de dar o melhor final possível para o seu mangá e não arrastá-lo até ser cancelado. Todavia o editor chefe nunca aceitaria uma coisa dessas, já que a obra de Eiji era muito popular e garantia excelentes lucros. Gerando assim um cenário polêmico, entretanto perfeito para debates sobre quem está mais certo e qual seria a melhor decisão a tomar diante desse cenário![FIM DOS SPOILERS] No entanto a melhor de todas as discussões se encontra num arco que ocorre pouco antes do último citado: a tentação e o perigo da produção inortodoxa de um mangá e a importância do editor. A relação entre autor e editor sempre foi um assunto abordado desde a primeira temporada, mas aqui ele é expandido e discutido sobre uma ótica mais ampla e prática! No tal arco surge um novo personagem chamado Nanamine Tooru que [INÍCIO DOS SPOILERS]conseguiu bolar um esquema para poder publicar "o melhor mangá de todos" onde a história é feita sobre a análise 50 pessoas "qualificadas" na internet, a arte feita por outras pessoas e ele no comando de tudo. Apesar disso ter funcionado no começo, não demora muito pro resultado começar a ter problemas: muitos na internet o abandonam por não gostarem de trabalhar sob prazos e lidar com responsabilidades e a história não mostrava emoção ou personalidade, apenas eram um monte de ideias e sugestões de terceiros agrupadas.[FIM DOS SPOILERS]

A impotência desse método inortodoxo reforça o prestígio do editor. Claro que uma segunda opinião é relevante, mas depender somente delas é prejudicial. Assim como uma boa avaliação tem que ser sincera e honesta, independente dela ser positiva ou negativa e não é preciso ter a capacidade de fazer o mesmo para poder criticar! Durante esse arco também há um diálogo entre dois editores que discutem sobre o que um editor realmente precisa e um deles perguntou se é necessário que o crítico tenha a habilidade de fazer mangás para poder julgar o trabalho dos mangakás e o outro respondeu que não! Claro que é preferível que tenha a habilidade para tal, porém não é necessário e o autor precisa mais desse talento do que o editor. Um crítico deve saber apontar os pontos positivos e negativos da obra, ajudar o produtor de conteúdo a identificar suas forças e suas fraquezas e ter a intenção de melhorar os resultados finais. É exatamente como os reviews aqui do meu blog! Quando falo mal de uma obra que não curti, não quero falar aquilo com intenções maldosas, é porque eu queria que aquilo fosse bom, tanto que imagino e comento sobre de que jeito ela poderia melhorar, contudo sempre tento ao máximo não parecer muito arrogante e por isso constantemente uso as palavras "lamentável" e "desapontante" Bakuman mostra uma lição profunda sobre a crítica e é a uma das coisas que mais gosto na franquia!!

Nanamine é um sujeito bem nojentinho e antipático...

Após terminar a série toda, ficou claro para mim a razão do mangá de Bakuman, o material original, ter sido publicado em uma revista shounen ao invés de uma revista seinen, pois após finalizar a primeira temporada fiquei com essa dúvida na cabeça e, sinceramente, não sei se é porque a partir do ponto que inicia a segunda temporada que a franquia prova de uma vez que é um shounen ou se desde o início ela prova isso e só fui assistir o restante com mais conhecimento e uma nova visão em mente. Tenho lembranças de momentos da season 1 de Bakuman contendo a mesma essência daquelas que me fizeram adorar as outras duas, todavia sentia que faltava algo e talvez essa sensação tenha sido causada por um pouco de pura antipatia gerada pela minha visão limitada e ignorante que possuía quanto ao que eu definia como um shounen... Independente de tudo isso, a segunda e a terceira temporada abriram os meus olhos e hoje está mais claro pra mim que chamar um anime/mangá de shounen significa algo, entretanto esse "algo" não é tão ligado ao gênero! E só pra deixar claro, eu não costumava usar o termo "shounen" como algo negativo ou pejorativo (2 dos meus 5 mangás favoritos são shounens), o preconceito em questão ia mais pro lado de simples definição mesmo, não detalhes que influenciavam minha visão de um show, e eu já sabia que a palavra não significava um gênero, mas eu tinha dúvidas quanto a um slice of life ser adequado para ser publicado na revista Shounen Jump!!

Enfim, enquanto assistia, observei que o anime passava um "feeling" genuíno e similar ao visto em animes de esporte ou que pelo menos senti ao assistir Kuroko no Basket, o único anime de esporte que assisti. De pouco em pouco as peças começavam a se encaixar e tudo ficou cada vez mais claro para mim. Uma coisa que Bakuman e Kuroko no Basket possuem em comum, além da mesma quantidade de episódios e seguirem a mesma fórmula de exibição, é que ambos não possuem lutas! Lutas, batalhas e ação no geral são coisas que naturalmente conseguem empolgar e envolver o público e proporcionar uma experiência agradável e cheia de fortes emoções. Agora imagine provocar isso tudo sem as lutas... Aí a situação complica, porém é o que as duas séries citadas acima fazem! Kuroko no Basket provoca essas emoções nos expectadores através de suas partidas e Bakuman alcança o mesmo resultado utilizando as dificuldades e situações, algumas bem extremas, que giram em torno da indústria dos mangás! Os personagens com forte determinação, grande persistência e quase nunca terem vontade de desistir ou ficar desanimados, mesmo com enormes obstáculos (na verdade causa até o efeito oposto, que é motivar) é outra peculiaridade de shounens e também pode ser encontrada aqui. Tudo bem que é justificado pelo fato das dificuldades da produção e da serialização serem brutais, mas lembrando que isso faz parte da proposta de Bakuman: equilibrar ideias discordantes. Ao mesmo tempo em que a série consegue ser bastante real e crível, também carrega características exageradas típicas de shounens, só que sem parecer algo bobo demais ou destoante do padrão que jovens e garotos procuram. No fim acaba sendo um show que consegue agradar públicos de diferentes idades e faz isso da melhor maneira possível.

O traço que vai mais pro lado caricato também é outra peculiaridade que se encaixa no padrão de shounens.

E para finalizar, irei resumir tudo o que aprendi depois de refletir sobre cada tópico: Bakuman é um anime indispensável e fenomenal; criticar continua sendo importante; um mangá/anime ser shounen, seinen, shoujo, josei significa quase NADA!!! Espero que esse artigo tenha sido útil ou interessante e se gostou do que viu, dê uma olhada também nos meus outros posts. Vou ficando por aqui! Falou, galera!!

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