Bloodborne em 10 Aspectos


Em março desse ano (2018) Bloodborne ficou disponível gratuitamente para os assinantes do serviço PS PLUS e fiquei muito contente com isso, porque é um game que eu queria muito jogar e que também sabia que ia gostar, afinal já tinha visto muitas gameplays dele, tive boas impressões com o jogo anterior da mesma desenvolvedora (no caso, estou falando de Dark Souls) e foi o motivo pelo qual economizei quase 3 anos para comprar um PS4, já que o game é exclusivo dessa plataforma. Entretanto, mesmo com expectativas altíssimas (devo lembrar que algumas vezes o hype excessivo pode prejudicar a experiência), ainda me surpreendi com ele. Fazia tempo que não via algo tão brilhante, encantador e divertido quanto, por isso acabou virando um dos meus jogos favoritos, não só do console, mas de todos os tempos. Um dos motivos envolve a presença de características vindas de Dark Souls, então podem esperar por algumas comparações, só que não irei me aprofundar muito nisso, pois é um assunto longo e que é melhor deixar para um outro texto... Enfim, uma das características que me refiro consiste na conexão dos diversos elementos que compõe o game e isso meio que afetou a estrutura da análise, porque finalizando um tópico, imediatamente outro se iniciava, em sua maior parte. Por conta disso decidi que a análise seria no formato de lista e, ao todo, consegui resumir tudo o que senti em 10 itens principais! Sem mais enrolação, desejo uma boa leitura. :)

01. Combate


O Sistema de Combate é idêntico ao de Dark Souls: lento e deliberado, baseado no modelo "Z-Target", com gerenciamento de movimentos (ataques e esquiva) restringidos por uma barra de stamina e priorização das animações (não há cancelamentos de ataques). Mas agora ele está mais agressivo e incentiva constantemente que o jogador tome atitudes ofensivas, isso torna-se claro após notar a presença de novas mecânicas e tomada de decisões no design de combate. Começarei com as mais óbvias, que são a esquiva e a substituição dos escudos por armas de fogo. A primeira é uma novidade, isto é, dodge rolls sempre estiveram presentes na série Soulsborne, só que agora, quando o comando para rolar é aplicado enquanto o personagem do jogador está com a câmera focada em um inimigo/alvo, ele executa uma rápida esquiva, que às vezes parece até um salto. A segunda é a mais notável novidade de todas e enxergo como uma representação simbólica de que esse jogo é realmente agressivo!! As armas de fogo até tem uma função similar ao dos escudos, ambos podem realizar parrys para atordoar inimigos (a mesma ação pode ser alcançada acertando um golpe carregado na retaguarda deles) e deixá-los vulneráveis ao ataque visceral (um poderoso golpe crítico, similar ao backstab de Dark Souls), porém são ferramentas claramente antônimas, afinal, ARMAS DE FOGO = ATAQUE e ESCUDOS = DEFESA. Além dessas, há uma indicação laranja que aparece na barra de HP e ela, além de mostrar o tanto de vida arrancada pelo último golpe que seu personagem levou, também pode ser preenchida durante os poucos segundos que ela fica ativa ao atacar inimigos, e ataques fracos recuperam pouco HP, fortes bastante e o ataque visceral preenche a indicação laranja inteira.

Os escudos foram retirados também... Quero dizer, até tem, um de madeira bem vagabundo e outro da DLC que é melhorzinho. O de madeira é inútil e o que pode ser encontrado em The Old Hunters nunca testei de verdade. O comando de bloquear/defender ataques não existe. O atributo de peso já era, todos se movimentam na mesma velocidade e os trajes oferecem apenas proteção superficial, dando aos jogadores a opção de usarem os que acham mais convenientes diante de uma situação ou os mais bonitos na concepção deles. O arsenal de armas é menor também, só que isso estabelece o foco central do combate: elaborar estratégias em torno de uma arma principal e melhorar o manuseio dela. Por conta disso o foco não é ter o melhor equipamento como em Dark Souls, e sim ter a melhor arma ou a que mais se encaixa no seu estilo de jogo. Enfim, todas essas novidades e limitações trabalham em conjunto para exigir que o jogador seja mais ágil, habilidoso e brutal, incentivando o mesmo a ficar muito perto dos inimigos e se mover rapidamente pelo cenário para desviar dos golpes deles em vez de ficar apenas num local bloqueando e suportando tudo, ainda mais sabendo que há poucos locais seguros para se recuperar da adrenalina das batalhas, o jogador está sempre exposto e isso foi algo que afetou o level design das arenas de combates contra os bosses inclusive (me aprofundarei nesse aspecto em breve).

Saindo um pouco da linha de comparação, Bloodborne consegue oferecer uma experiência de combate sólida, competente e satisfatória do seu próprio jeito. Além do level design que apresenta formas interessantes de encontros com inimigos e possibilitar estratégias de batalha bastante convenientes e bem elaboradas, os próprios adversários possuem padrões de ataque e características que vão forçar os jogadores a usarem todas as mecânicas de combate, por exemplo: as pessoas que gostam de enfrentar a maioria dos inimigos atordoando-os com parry e aplicando o ataque visceral neles, logo vão deparar com outros onde realizar tal ação se mostrará como algo difícil ou impossível através desse método, dessa forma sendo necessário movimentar-se para a retaguarda deles, aplicar um golpe carregado e assim atordoá-los, todavia isso pode não funcionar com todos também, tornando uma investida frontal através dos ataques básicos dos botões R1 e R2 a única opção adequada restante. Mas de todos o oponentes, os mais intrigantes e dasafiadores são OUTROS CAÇADORES, pois é aqui que fica perceptível o quão profundo e bem planejado é o sistema de combate desse game! Eles são fortes, habilidosos e MUITO apelões, a movimentação desses caras é idêntica ao do seu personagem e as armas e trajes que os mesmos usam podem ser adquiridos no game!! Para mim isto soa mais como um "teste" final, a prova de que você dominou o sistema de batalha, e está pronto para enfrentar a mais forte criatura de todas, você mesmo!!! As lutas contra esses sujeitos são intensas, difíceis e, acima de tudo, divertidas. Lembro da primeira vez que lutei contra dois caçadores próximos da entrada de Yahar'gul, a adrenalina que senti naquele instante foi similar à que games de luta costumam me proporcionar: a sensação de ter um oponente a altura, o sangue fervendo e o desespero misturado com alegria, são coisas que provocam meus instintos de combate, só faltou tocar um bom trash metal no fundão, huehuehu3. Em resumo, as lutas contra esses caras são demais e alguns tão difíceis quanto os próprios chefes, aliás, vamos falar deles agora mesmo!!!

02. Boss Fights


Comparado a Dark Souls, os chefes sofreram algumas mudanças. Começando com as arenas, todas elas são abertas e com pouquíssimos locais (às vezes nenhum) para recuperar o fôlego, como dito anteriormente. O jogador está sempre exposto, tendo que tomar bastante cuidado com o(s) inimigo(s) e pensar rapidamente para lidar com a situação, afinal, não só o gameplay está mais veloz, os adversários também ficaram ligeiros. Esse padrão está presente até mesmo em boss fights que ocorrem em locais apertados, como a de Micolash, por exemplo, onde há duas áreas grandes na arena de combate dele e que dão bastante espaço para movimentação, mas sem proteção alguma. Portanto, não há mais aquelas arenas fechadas e que só incentivavam o jogador a se defender parado em um local, pois não faria sentido aqui! Outra coisa nova são as diferentes fases ou níveis que os bosses alcançam durante as batalhas. Quando ficam com uma certa quantidade de HP, eles se enfurecem e mudam seus padrões de ataque ou até se transformam em outras criaturas, mudando completamente a situação. Isso adiciona uma camada a mais de profundidade, quando a luta começa a ficar sobre controle e dar ao jogador a sensação de que ele já sabe tudo sobre o oponente, a situação se inverte, oferecendo um novo desafio e faz com que os jogadores mantenham-se atentos quando esses momentos chegarem! Essa mudança foi tão significativa e interessante que está presente até no jogo posterior da FromSoftware: Dark Souls 3.

No geral, os chefes continuam mantendo o padrão da franquia: difíceis, desafiadores, épicos, impressionantes, bonitos e criativos. Ironicamente os pequenos continuam dando mais trabalho que os grandões (com algumas exceções), o jogo raramente possui música de fundo, sendo que maior parte das faixas tocam durante as boss fights e tenho que dizer que a trilha sonora desse jogo, ao meu ver, é a melhor de todas da série Soulsborne! Só acho meio sacana que a melhor música toca em um dos bosses mais fáceis do game, nesse caso estou me referindo ao Darkbeast Paarl. Pra falar a verdade, foi um turbilhão de decepções: a música é incrível, o design do boss é lindíssimo, os golpes dele são estilosos demais e é derrotado em menos de dois minutos de batalha... Não dá nem tempo de você escutar a melhor parte da música! Lembro que só morri pra ele uma vez e foi no meu primeiro Playthrough, depois nunca mais perdi pra esse cara. Felizmente a mesma faixa toca em um dos bosses das Masmorras do Cálice (Chalice Dungeons), locais onde é possível encontrar novas armas, novas runas e chefes curiosos, alguns novos e outros reaproveitados da parte principal do jogo, a propósito, o próprio Paarl pode ser encontrado em uma delas e a luta contra ele nessa versão é muito melhor! Quanto aos bosses exclusivos das Masmorras, ouso dizer que são mais difíceis que os do game principal e alguns expõe até pistas importantíssimas para o entendimento da lore. Os da DLC também são fantásticos, fora o fato de terem batalhas visualmente impressionantes e temas sonoros lindíssimos, são os chefes mais desafiadores fora das Chalice Dungeons. Se tratando de design visual, todos são brilhantes e casam bem com a proposta estética do jogo... E por falar nisso, esse será o próximo aspecto que irei comentar sobre!

03. Estética


Ao contrário de Dark Souls, que tem uma localização baseada na era medieval, Bloodborne apresenta um tema vitoriano/gótico sombrio e macabro, só que ao mesmo tempo charmoso e encantador. Talvez isso seja mais uma preferência pessoal do que qualquer outra coisa, mas essa mudança de cenário foi algo bastante positivo, pois, ao meu ver, é muito mais interessante e cativante que um ambiente medieval "padrão" - não quis usar a palavra "genérico", porque o mundo de Dark Souls é sensacional e muito bem planejado, entretanto é um tema que tem sido muito utilizado na industria do entretenimento e já estou um pouco enjoado desse tipo de ambientação. Além disso, há outra diferença estética curiosa: Dark Souls dá a impressão de que ele se passa em um mundo destruído por algum tipo de desastre, parecendo até um futuro pós-apocalíptico ou um passado pós-apocalíptico... Estou confuso agora!! Todavia, Bloodborne parece que ocorre em um mundo em plena destruição, a maioria das construções ainda estão em pé, mas as pessoas estão enlouquecendo ou virando monstros e as esperanças estão acabando. Acredito que Bloodborne tenha feito um trabalho melhor quanto a parte de apresentação também. Quero dizer, por mais brilhante que seja a lore de DS, inicialmente não fiquei tão curioso em querer saber mais daquele mundo, foi algo que me interessou com o passar do tempo, porém Bloodborne desde o começo prendeu a atenção e alimentou minha curiosidade. Começando com a sinopse: ambientado em Yharnam, uma cidade gótica, o personagem do jogador, conhecido apenas como caçador, peregrina até o local, pois lá há rumores de um poderoso medicamento capaz de curar qualquer tipo de doença. Mas ao chegar lá, nota que a cidade acabou caindo em desgraça. O tal medicamento existia, porém se tratava de sangue de seres ancestrais e desconhecidos que estava sendo usado como método de cura e evolução. Por conta do abuso desse sangue estranho, os habitantes da cidade foram vítimas de uma praga e se tornaram feras animalescas, semelhantes a lobisomens. No entanto, o jogador combate essas criaturas usando o poder desse mesmo sangue, o que desde o início nos deixa questionando "será que estamos fazendo o correto?"

A história pode parecer um simples conto envolvendo os clichês e características da literatura de terror gótica, que podem ser vistos nas obras de Mary Shalley, por exemplo. E de fato, várias dessas ideias, como lobisomens, castelos amaldiçoados como lar de vampiros, bruxas, cientistas loucos, multidões enfurecidas querendo exterminar as feras e o próprio personagem do jogador que representa o arquétipo do caçador de monstros, como um Van Helsing da vida, são anexados na lore do jogo e algumas podem ser vistas logo de início, só que ele também marca a presença de extraterrestres poderosos similares aos que podem ser encontrados nos contos de H. P. Lovecraft! Por mais bizarro que possa parecer inicialmente, isso é tão bem implementado na narrativa que torna a experiência ainda mais interessante e constrói uma história bastante singular. Voltando a falar dos cenários, realmente tudo é escuro e "dark", até quando vemos o sol, no início do game, tudo parece estar envolvido com a ausência de luz. Por mais que seja encantador, isso trouxe um pequeno problema e é a falta de variedade. Os locais são bem memoráveis, mas grande parte dele consiste apenas de paisagens urbanas sombrias, com o tempo torna-se um pouquinho repetitivo e às vezes fica fácil de se perder por certos locais, como na Forbidden Woods. Já que chegamos nesse ponto, é melhor iniciar o tópico seguinte, onde irei me aprofundar mais nessa parte.

04. Level Design


Os shortcuts, ou corta-caminhos, estão de volta com grande estilo, pois fiquei sabendo que decepcionaram em Dark Souls 2. Eles não são tão pretensiosos quanto os do primeiro Dark Souls, mas ainda garantem boas epifanias. Existem alguns atalhos que interconectam diferentes áreas que, na minha cabeça, pareciam bem distantes uma da outra. Tem um portão que pode ser aberto após derrotar Darkbeast Paarl e ele revela uma nova entrada para Old Yharnam e tem uma longa escada em uma caverna de Forbidden Woods que leva ao portão bloqueado do início do game!! Esse mundo interconectado é simplesmente genial e garante momentos bem memoráveis, fora que dão aquela sensação de estar explorando o mundo real. Há poucas lamparinas (check-points que também transportam o jogador para o Hunter's Dream, o lobby do game) presentes no mapa, então os corta-caminhos são usados repetidamente em uma única área como novos atalhos para voltar para uma lamparina e às vezes o primeiro check-point encontrado numa área será o único dela. Todavia a maioria dessas passagens e elevadores desbloqueáveis interconectam apenas uma única área, a parte boa é que isso torna cada local bastante coeso, a parte infame é que isso torna a experiência mais linear. No entanto isso não se torna um problema tão grave e esse modelo casa bem com o gameplay, já que teleportes estão disponíveis desde o começo do game.

Navegar pelo mapa é sempre muito divertido, fora os encontros com inimigos, há sempre boas recompensas pela exploração. Entretanto também há punições por equívocos... Pois é, as famigeradas armadilhas possuem seu espaço por aqui, estão em um número reduzido e várias são meio óbvias, mas ainda cumprem o seu papel em avisar os jogadores que eles devem ser pacientes e cuidadosos acima de tudo. Acredito que o jogo recompensa e, ao mesmo tempo, pune pela exploração. Ele pode parecer cruel demais em certos pontos, só que os jogadores mais dedicados e astutos muitas vezes acabam saindo vitoriosos por entenderem e descobrirem certas características do ambiente que podem até eliminar vários inimigos sem muito esforço. No entanto, por se tratar de um game de terror, Bloodborne não vai pegar leve em vários momentos, porque além das armadilhas, jumpscares marcam sua presença também. E isso faz bastante sentido, parando pra pensar, pois mescla com a estética macabra e a proposta do jogo em si, porém me aprofundarei nisso futuramente.

05. Coerência


Uma coisa fascinante, e que também está presente em Dark Souls, é como tudo está conectado, não só o layout dos mapas, todos os outros elementos do game foram adicionados com muita cautela e se unem para formar um todo maior chamado Bloodborne! A imensa parte dos detalhes do enredo podem ser encontrados não em cutscenes, mas em descrição de itens e diálogos enigmáticos com NPCs, parecendo mais um livro de filosofias do que um filme. São nesses momentos que observamos o quanto as coisas nesse jogo fazem sentido ou seguem uma certa lógica, pois nada está lá por simplesmente ser conveniente. As armas de fogo são um exemplo, no game é dito que os caçadores as usam para manter as criaturas em uma distância segura e as armas de truque apenas as finalizam, então a razão delas terem sido escolhidas não foi a toa. Em Bloodborne, Old Blood (Sangue Antigo) é tudo, os ecos desse sangue são usados para fortalecer a carne e o espírito das pessoas (upgrade), é tão valioso que serve como moeda de troca e o próprio Old Blood recupera o HP, o frasco que restaura nossos pontos de vida tem sangue dentro! No game encontramos muitos Frascos de Sangue por tudo quanto é canto, isso porque eles recuperam uma grande porcentagem do HP, os inimigos causam muito dano e, inicialmente, carregamos uma quantidade limitada de frascos, ou seja, usamos e encontramos muito desse item em um ritmo equilibrado. Porém o jogo estabelece um motivo pelo qual encontramos tanto esse negócio por aí, se tu ler a descrição do item lá é dito que Sangue Antigo é mais consumido que álcool na cidade de Yharnam, devo lembrar que esse tal sangue curava todo o tipo de doença e fortalecia as pessoas! Sério, qualquer game estaria pouco se lixando em dar uma explicação para o aparecimento massivo do item de cura ou mesmo dizer o porquê dele te curar, pois é apenas um jogo!!!

Quando começamos a perceber que qualquer coisinha presente nele pode não ser apenas mera coincidência, ficamos paranoicos, notamos detalhes ocultos na história que não são ditos através de cutscenes, diálogos ou descrições, mas sim pelos ambientes e os seres presentes neles. Um exemplo são os inimigos, os humanos infectados próximos de Rom se parecem com insetos ou aracnídeos (devo lembrar que Rom é uma aranha), os próximos de Ebrietas (um ser celestial, provavelmente extraterrestre) são parecido com alienígenas, os próximos a Yharnam se parecem com o Bloodletting Beast (criatura cheia de pelos e que se parece com um lobisomem), um dos bosses das Masmorras do Cálice, uma região que se encontra abaixo dessa cidade... Viu só?! Quanto mais descobrimos coisas da história, mais pirada e esquisita ela parece ser, só que, quando isso ocorre, os loucos somos nós, jogadores!!! Ficou curioso?! Continue lendo, vamos falar disso agora mesmo!

06. Cosmicismo


Conforme a história avança, é descoberto que o consumo de Old Blood foi incentivado por uma das facções do jogo, a Igreja da Cura. Também é dito que ela foi fundada por Laurence, que no passado era um dos alunos de Mestre Willem da universidade de Byrgenwerth, outra facção da história. Laurence acreditava que o sangue dos seres antigos seria a chave para a salvação, mas Willem discordava, ele dizia que o discernimento era a chave, ou seja, uma elevação da mente até alcançar algum tipo de comunicação com esses seres antigos cujo sangue foi usado excessivamente. Isso resultou na saída de Laurence que saiu de lá com um pensamento amistoso, porém Mestre Willem considerou isso como uma traição. As coisas começam a fazer sentido e a partir daqui fica fácil de ligar os pontos com as novas informações adquiridas... Até que, um evento na história faz tudo virar de cabeça para baixo novamente! Após derrotar Rom, um ritual se inicia e tudo aquilo que conhecíamos se distorce assustadoramente, revelando seres extraterrestres poderosíssimos conhecidos como Great Ones, que estavam controlando tudo por trás sem sabermos de nada!! Pois é, Bloodborne foi de terror gótico pra terror cósmico (ou cosmicismo) e se você não sabe o que é isso, relaxa, no próximo tópico garanto que irá entender. De qualquer forma, enxergo esse momento como o ápice do jogo, aquele que torna a obra bastante lembrada e adorada. E a partir daqui torna-se notável a presença de características do cosmicismo também, mais especificamente, peculiaridades vistas nos contos de Lovecraft, como inseminação alienígena, que ocorre em uma das personagens da trama, e a vila de pescadores da DLC, que com certeza é uma referência à Sombra de Innsmouth.

Bloodborne pode não ser tão pretensioso quanto a ter um mundo interconectado, contudo não deixa de ser pretensioso em outros quesitos, porque as inspirações de H. P. Lovecraft estão presentes até em mecânicas do gameplay!!! Como dito no tópico anterior, quando ficamos sabendo mais da história, quem é maluco não é ela, e sim nós (jogadores), pois tem uma parada no game nomeada de Insight (Discernimento) que é obtida após presenciar eventos absurdos da história ou após consumir um item chamado "Conhecimento de Louco", que é literalmente um crânio com a parte de cima quebrada e uma "luz" dentro da área destruída, isto é, uma informação tão insana que é capaz de explodir a cabeça! Quando adquirimos no mínimo um ponto de Insight, conseguimos falar com a boneca no Hunter's Dream, sim, uma BONECA!! Outra característica envolve personagens enlouquecendo por não conseguirem compreender os terrores que presenciam ao seu redor e fico me perguntando até hoje se isso inspirou a cena do Eclipse em Berserk... Enfim, isso é refletido através de uma barra de sanidade que começa a encher quando o personagem do jogador presencia terrores que não tem capacidade de compreender, se a barra chega até o fim e ele não tomar sedativos (um dos itens de cura) para acalmar os nervos, o personagem entra em estado de frenesi, perdendo grande parte do HP e quanto mais Insight obtido, menor fica o limite da barra de sanidade... Podemos nos livrar dos pontos de Insight, já que também servem como moedas de troca no Hunter's Dream e chega um momento em que ter muitos pontos desse negócio se torna inconveniente, o jogo fica mais difícil do que já é. Talvez eu não seja capaz de aguentar a verdade absurda... Com tudo isso em mente, não é preciso ser um Sherlock Holmes para entender que Laurence e Willem estavam errados, ambos falharam miseravelmente! Old Blood transformou as pessoas em monstros e é impossível manter muito discernimento na cuca, já que a compreensão humana tem seus limites!!! Somos meras formigas diante desses alienígenas que alguns podem confundir e achar que são deuses ou demônios!

07. Puro Terror


Sobre minha visão, nenhuma plataforma de entretenimento conseguiu transmitir sentimentos intensos como medo e desespero tão bem quanto os videogames. Mas até essa mídia fantástica e extremamente imersiva sofre dificuldades em realmente manter essas emoções nos jogadores de forma sólida, porque pouquíssimos games apresentam uma real punição pela morte do personagem. Claro, tememos pela vida dele, só que ao morrer não sentimos que perdemos algo de importância e o personagem sempre irá ressuscitar no último check-point, então a morte deixa de ser um pesadelo e vira uma mera inconveniência, um obstáculo e não algo que tem que ser temido. Dark Souls trouxe um sistema punitivo inteligentíssimo e, que eu me lembre, foi baseado no modelo de jogos MMO, nele o jogador, ao morrer, retorna para um lugar padrão e é obrigado a voltar para o local da morte se quiser recuperar seus objetos de valor. Em DS, os tais objetos são as Souls (Almas), e em Bloodborne, os Blood Echoes (Ecos de Sangue). Porém, se morrer antes de recuperá-los, eles são perdidos para sempre, isto é, substituídos pelos que estão sendo dropados pela morte atual, mesmo que o valor seja zero! Dark Souls não é um game de terror, entretanto conseguiu amedrontar os jogadores por conta disso. Bloodborne refinou esse sistema punitivo não só aplicando uma estética sinistra e jumpscares em cima, a FromSoftware foi além e arranjou outros métodos criativos para surpreender o público.

Algumas vezes, ao voltar para o local da morte, os Blood Echoes não estarão lá no chão, pois certos inimigos roubam eles, sendo necessário matá-los para poder recuperar os Ecos perdidos. Isso fica claro até na primeira vez, afinal os inimigos com os Ecos de Sangue ficam com uma espécie de aura saindo do corpo, que até deixa os olhos brilhando e com uma animação bem parecida com a "Zona" de Kuroko no Basket. Isso gera até momentos interessantes de tensão, porque o inimigo com os Blood Echoes pode ser fraquinho ou pode ser alguém bem complicado de enfrentar... Outro jeito que o jogo brinca com nossas emoções e expectativas é quando morremos para o "Homem do Saco", ao invés de retornarmos para a última lamparina, somos transportados para um local totalmente diferente e desconhecido: uma prisão destruída, assustadora, macabra, cheia de inimigos fortes e com a incapacidade de retornar para o Hunter's Dream, até a lamparina da área ser acesa. A tensão de estar em um ambiente desconhecido, com oponentes arrepiantes e uma soundtrack sombria no fundo criou uma situação única e que nenhum outro jogo de terror causou em mim! Todavia não acaba por aí. No tópico "Cosmicismo" comentei sobre a existência dos Great Ones e agora irei me aprofundar mais sobre os mesmos: eles são extraterrestres tão poderosos que alguns o chamam de deuses e, assim como nos contos de H. P. Lovecraft, somos para eles o que insetos ou plantas são no nosso ponto de vista, seres insignificantes e fracos! Onde quero chegar?! Esclarecerei imediatamente! Ao retornar para a área onde somos levados após o sequestro pelo 'Homem do Saco", depois que o ritual da Lua de Sangue for ativado através da morte de Rom, se observar atentamente o ambiente, notará que há um Great One nos observando e que provavelmente estava lá desde o início, dando a entender que nosso triunfo e nossas dificuldades significaram nada no ponto de vista dele, um jeito inteligente e cruel de desvalorizar nossos feitos e que faz parecer que nossa existência é irrelevante para o universo. Bloodborne faz uso do terror cósmico com maestria!!

De um ponto de vista de Game Design, encaixo Bloodborne na mesma categoria que games como Resident Evil 4 e Dead Space. Eles colocam os jogadores em situações tensas e desesperadoras, mas haverão momentos em que eles se sentirão poderosos também e às vezes as duas coisas ao mesmo tempo, portanto classifico-os não como Survivor Horrors, e sim Action Horrors!! Tendo em conta tudo o que foi dito até então, vemos que Bloodborne, apesar de mais enérgico que seus parentes, dá a impressão de que tudo e todos querem vê-lo morto!! O que é irônico, pois Dark Souls nos sentíamos como uma formiguinha em um mundo cheio de tamanduás, enquanto sua história tinha uma pegada relativamente otimista. A impressão final é de um jogo brutal, cruel e opressor, que fará de tudo para atormentá-lo e incentivar a desistência. A morte de seu personagem tem um peso maior aqui, ao contrário de outros jogos, é preciso lutar para proteger o que temos de importante, do contrário veremos num piscar de olhos esse tesouro escapando de nossas mãos por conta dos nossos erros cometidos. O lance de nos sentirmos pequenos em um mundo controlado por seres além da compreensão torna tudo ainda pior, porque não passamos de meros peões nesse conflito entre divindades/criaturas celestiais. [INÍCIO DOS SPOILERS] Até o nosso esconderijo cheio de conforto e segurança se mostrará como um lugar hostil (ele pode ser usado como uma arena de partidas PvP) no fim da jornada e nosso mentor e conselheiro o maior oponente de todos. [FIM DOS SPOILERS] No inferno não há segurança alguma, a única forma de escapar desse pesadelo é pela matança, o que exigirá MUITA insensibilidade, sem isso não existe escapatória...

08. Produção


Bloodborne é um jogo visualmente impressionante e belo, na verdade, mais por conta de sua direção artística do que pelos gráficos. Mas isso não quer dizer que ele não tem nada de especial quanto à isso. Junto de Metal Gear Solid V (Ground Zeroes e The Phantom Pain), Bloodborne foi um dos primeiros games da oitava geração de consoles que realmente eu poderia chamar de Next Gen! As texturas das roupas dos personagens e dos objetos do cenário são de longe a parte mais impressionante, parecem bastante reais. A forma como o sangue do personagem do jogador e dos inimigos pintam o cenário e até eles mesmos também é magnífica. Os efeitos de névoa, luz e sombra bem convincentes. As mais variadas animações belas, empolgantes e as que esbanjam fortes colisões, isto é, heavy attacks, dão uma grande sensação de impacto e que aquilo causou um enorme estrago, do tipo "Ui! Essa doeu!!" O que mais fortalece essa sensação são os efeitos sonoros. Aliás, o jogo tem um excelente design de sound effects, desde coisas básicas como o som de quando um item é coletado até as diversas faixas que tocam num ataque visceral, são agradáveis e satisfatórios. Então Bloodborne alcança com sucesso aquilo que Mark Brown, um youtuber que admiro muito, chama de "Game Feel".

E a parte sonora também possui um papel indispensável na construção do terror. Os sons sinistros e horripilantes dos monstruosos bosses e as músicas frenéticas, com um tom que vai ficando cada vez mais veloz e agressivo conforme avança, são coisas que tornam esses momentos ainda mais tensos, elas criam uma tensão psicológica forte nos jogadores! Cleric Beast é um chefe relativamente fácil, entretanto o som da criatura e a música agitada torna tudo mais complicado. Como as músicas de fundo tocam, na imensa maioria das vezes, nas boss fights, a situação do sequestro pelo "Homem do Saco" torna-se ainda mais aterrorizante, pois fortalece o efeito de confusão (que também é construído em torno do medo de encontrar-se em uma localização desconhecida), dando quase uma sensação de que existe um coro, em algum canto do lugar, desejando que uma desgraça cai sobre nós, fora que a própria música é super arrepiante!! Não resta dúvidas que Bloodborne não seria a mesma coisa sem essa produção dedicada e caprichada, de longe uma das melhores que já presenciei num videogame.

Minha faixas favoritas:







09. Fator Replay


Como pode ser entendido, Bloodborne é um jogo que oferece uma experiência rica em conteúdo, nem tudo pode ser desfrutado em um único playthrough, ele esconde muitas surpresas (inclusive algumas estão sendo descobertas até os dias de hoje), possibilita que os jogadores experimentem diferentes estilos de jogo, isto é, diferentes builds, armas, habilidades, etc.. E o level design, a primeira vista, constrói uma forte sensação de aventura, e, apesar dessa sensação ser eliminada em jogatinas futuras, uma outra surge no lugar, que é fazer o jogador se sentir como um verdadeiro caçador, um especialista capaz de lidar com várias situações de perigo e é ótimo para testar as habilidades adquiridas, não do personagem, mas a habilidade particular que cada jogador desenvolve durante a experiência, sendo a melhor maneira de provar isso derrotando facilmente os bosses do início. Aqueles que deram tanto trabalho na primeira vez, agora podem ser destruídos sem tanto esforço, é majestoso e gratificante. Acho que foram essas coisas que me incentivaram a continuar jogando-o diversas vezes até conseguir platiná-lo, fazer as coisas de um jeito diferentes, em uma ordem diferente e obter novas experiências com o mesmo jogo é algo que não ocorre com tanta frequência. O mais interessante é que dois dos três finais presentes apresentam, em forma de Easter Egg, explicações para a razão da existência do NG+ ou a simples ação de jogar o game novamente, lembrando até o final do primeiro Final Fantasy!

Mas a melhor maneira de obter uma experiência diferenciada com ele é jogando online! Existem recursos cujo uso é exclusivo desse modo, como as mensagens, que podem oferecer um bom compartilhamento de informações ou belas trollagens. Também há o co-op, onde um jogador é o anfitrião e invoca outros players para ajudá-lo (até um boss ser derrotado) em troca de Insight e oferecendo recompensas para os ajudantes, como Blood Echoes, Insight e (se usar a runa Impureza) vermes para esmagar e receber presentes da Liga. E, é claro, as invasões e o PvP não iam estar de fora, né?! Esse sempre foi o perigo de jogar os games da série Soulsborne online e aqui isso só é possível em áreas onde "A mulher que badala o sino sinistro" aparece, contudo, a mesma pode ser invocada em qualquer lugar caso o co-op seja ativado! E o PvP pode iniciar-se cumprindo os requisitos para uma partida em co-op, entretanto usando runas do tipo Juramento que são opostas, assim o convidado estará com uma iluminação roxa, uma mistura da azul (que simboliza o cooperador) com a vermelha (que simboliza o invasor). É, tem mecânicas bem escondidas dentro desse negócio... Em resumo, estas coisas contribuem para prolongar o tempo de gameplay. Enjoou de jogar sozinho?! Chame alguém para jogar com você, ou ajude um parceiro ou atrapalhe alguém! Quer tornar o processo mais prático?! Jogue com um amigo.

10. Comunidade


Na realidade o que irei falar é uma conquista não só de Bloodborne, mas de toda a franquia Soulsborne, que se trata de ter uma lore misteriosa, vaga e aberta para muitas interpretações, especulações e teorias, só que sem se tornar algo muito confuso ou que aparente ter sido construído sem planejamento e cuidado. Vimos bastante em tópicos anteriores como o jogo consegue obter esse trunfo, porém uma coisa que eu não disse envolve em satisfazer a curiosidade do público e os jogos dessa série fazem isso da melhor forma: incentivando os jogadores pensarem sobre algo interessante e impressionando-os através de outros métodos. Quanto ao primeiro item, pode ser uma história ou um personagem com características as quais eles podem se identificar ou sentir empatia e também pode ser algo de interesse geral, isto é, algo que pode vir a criar debates interessantes. Quanto ao segundo item, o grande número de explicações lógicas e coesas presentes até em pequenos detalhes, é um bom exemplo.

Enfim, são por essas razões que Bloodborne e Dark Souls conseguem encantar um distinto e variado grupo de pessoas! É por conta disso tudo que temos muita gente criando fanarts, fazendo cosplays, refletindo e debatendo sobre suas mais variadas filosofias, pedindo por sequências e até se inscrevendo em um canal no youtube focado exclusivamente nesta franquia e em games similares!! Essa galera mantém o online vivo até hoje e um grupo de fãs até se dedicam a explorar os mais obscuros mistérios presentes nele. Um bom e recente exemplo, foi dum pessoal que descobriu a existência de chefes errantes nas Masmorras do Cálice Raiz de Isz, vagando como inimigos comuns pelo local!!! Fico impressionado com o quão esforçada e paciente é essa comunidade, se dedicar a encontrar segredos ocultos em um jogo com mais de três anos de existência sem usar hacks ou coisa parecida apenas para compartilhar com outros fãs, merece um enorme respeito meu.

Conclusão

Por mais espetacular que seja, Bloodborne não é perfeito. Pessoalmente acho as Chalice Dungeons a coisa mais tediosa da franquia Soulsborne, é legal no início, todavia tornar-se quase que uma obrigação mais pra frente (estou levando em conta a intenção dos jogadores quererem platiná-lo), felizmente não é necessário cumprir todas para obter o troféu de platina dele. A quantidade de status negativos foi reduzida e o Frenesi funciona melhor em teoria, enxergo como uma ideia mal aplicada, é irritante em vários momentos. Alguns chefes são broxantes, poderiam ser melhores. E o conceito de farmar Frascos de Sangue, quero dizer, o fato deles serem itens consumíveis, ferra muito com os players novatos e eu incluso. No meu primeiro Playthrough morri muito para um boss e acabei ficando sem frascos, tendo que matar diversos inimigos para recuperar os suprimentos e então ir com tudo para enfrentá-lo novamente. Isso foi chato e muito diferente da mentalidade da série. Sei que o modelo do Estus Flask não se encaixaria bem aqui, entretanto continuou sendo algo desagradável.

Mesmo assim, Bloodborne proporcionou uma experiência encantadora e foi similar às minhas jogatinas dos jogos 3D do Mario Bros.. Sei que pode ser meio aleatória essa comparação, mas é algo particular. O que quero dizer é que esses jogos me fizeram lembrar do porquê sou apaixonado por videogames, eles são parte de mim, importantes para a formação de quem sou hoje e, acima de tudo, responsáveis por memórias de horas de diversão que estão na minha cachola. Por isso fico brabo quando aparece algum imbecil ignorante dizendo que videogames não são arte. Juro que se encontrar um desses caras, a primeira coisa que vou fazer eles jogarem, se eu conseguir, vai ser Bloodborne!!

Tenha cuidado com o que você não conhece. Tema o Sangue Antigo.
FEAR THE OLD BLOOD!

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