Downwell e o Design de Múltiplo Propósito


Nesses últimos dias andei jogando muito Downwell, um jogo indie de plataforma e shooting, com elementos de rogue like e uma dificuldade brutal! Mas também é um dos games mais charmosos, elegantes e originais que eu já vi nesses últimos anos!! Pra quem nunca viu qualquer coisa do jogo, fiz um playthrough no meu canal no YouTube. É sobre um garoto com armas de fogo em suas botas que está descendo um poço enorme afim de aventurar-se nele. O game funciona só com 3 botões: direita, esquerda e o botão de pulo; tem o sistema de morte permanente (isto é, ao morrer começa tudo de novo, desde o início), geração níveis aleatórios (porém há alguns padrões que sempre estão presentes em cada rodada) e é possível finalizá-lo dentro de 20 minutos. Pode parecer apenas um joguinho simples, no entanto mostra que consegue fazer muito com pouco ao apresentar grande profundidade em seu gameplay. E como ele faz isso é a parte mais interessante desse assunto que quero abordar nesse post!!



Pensando como a Nintendo

Se tem uma empresa de games que gosto e admiro muito é a Nintendo. Seus jogos são fáceis de aprender, mas difíceis de dominar, são acessíveis sem serem simples demais e sempre apresentam uma maneira nova ou muito interessante de jogar, o que faz seus trabalhos pareceram mais como brinquedos do que qualquer outra coisa. E o segredo disso tudo está na priorização da ação de jogar! Afim de esclarecer o ponto anterior, apresentarei o processo de produção de games da Big N: primeiro eles determinam uma ação ou um conjunto de ações para o personagem principal do game e ela(s) será(ão) o núcleo do mesmo, podendo ser(em) usada(s) para interagir com tudo ou quase tudo presente no jogo e essa ideia pode ser aplicada tanto numa franquia já conhecida da empresa (só que em um novo contexto) quanto numa nova IP (Intelectual Properties); depois eles aproveitam ao máximo possível a mecânica central escolhida dentro dos limites da ambição e tempo permitidos; em seguida decidem todo o resto a partir disso, ou seja, gênero, level design, contexto, história, design dos personagens, estilo visual, trilha sonora e outras coisas são selecionadas seguindo a linha de pensamento "qual se encaixaria melhor com a ideia central?" O principal benefício desse padrão de desenvolvimento envolve a coerência audiovisual, não na lore do game (nem tudo precisa ser pretensioso como a série Soulsborne), mas na experiência jogável. Tudo parece combinar, seguir uma lógica ou simplesmente existir para no fim conectar-se com a mecânica central do jogo, criando assim um charme ou uma elegância especial. Esse é um assunto que não vou conseguir finalizar por completo em um único parágrafo, portanto farei futuramente um artigo dedicado exclusivamente para esse tema!

Enfim, o porquê de eu ter citado tudo isso é simples: Downwell claramente foi projetado seguindo essa fórmula de desenvolvimento e na mesma sequência (importante destacar), contudo isso não é surpresa alguma, já que Ojiro Fumoto, criador do jogo, disse que se inspirou na seguinte frase de Shigeru Miyamoto para fazer Downwell: "Uma boa ideia não é aquela que resolve apenas um único problema, mas vários de uma vez só!" No tópico seguinte irei me aprofundar mais a respeito disso, pois agora irei destacar um detalhe que reforça minha primeira declaração desse parágrafo: o fato do jogo ser de plataforma vertical (de cima para baixo) se encaixar com a premissa de descer um poço não pode ser mera coincidência. Tudo bem que aqui o enredo é bem simples e bobo, funcionando mais como um contexto para o que ocorre, só que é justamente isso o que quero dizer. A história aqui server para extrair o máximo da diversão e elementos interessantes da jogabilidade, assim como em várias franquias da Nintendo, e não oferecer uma experiência narrativa emocionante e cheia de nuances. Mesmo os jogos da Big N que tem uma trama mais bem elaborada não escapam disso, The Legend of Zeda Ocarina of Time, por exemplo, tem uma história que envolve viagem no tempo, justamente porque queriam o Link criança e o Link adulto no mesmo game!!! Esse é apenas um pequeno exemplo que demonstra o quanto Downwell foi inspirado pelo padrão da Nintendo e isso trouxe para o jogo vários benefícios, como alguns que destaquei no parágrafo anterior e outros que tornam a experiência mais interessante, uma peculiaridade que fortalece o fator replay e que detalharei nos próximos tópicos!!!


Nem essa série escapa...

Um "canivete suíço" exemplar

Downwell funciona apenas com 3 botões (direita, esquerda e pulo). Pode parecer inicialmente que ele é bastante limitado quanto aos comandos que o personagem do jogador pode realizar, entretanto esse jogo utiliza bem algo chamado de "verbo versátil", um assunto que é explicado melhor neste vídeo, mas irei resumir: basicamente é uma ação em um video game que pode ter diferentes usos dependendo da forma como o botão que a executa é pressionado ou combinado com outros botões que por sua vez também executam uma outra ação. Ao fazer o personagem pular em Downwell, o mesmo botão desse movimento pode servir para outras coisas enquanto ele está no ar, nesse caso atirar projéteis das armas de fogo presentes nas botas (gunboots) dele. A segunda ação não precisa de um outro botão para ser executada e não entrará em conflito com a primeira, dessa maneira garantindo uma boa sintonia entre elas. As ferramentas e recursos de multiuso estão presentes não só nos comandos da mecânica central, podem ser encontradas também nos inimigos, nos itens, nos power ups e até em outras ações básicas! Ojiro Fumoto não estava de brincadeira quando disse que se inspirou na filosofia de game design de Shigeru Miyamoto. Cada elemento presente no game serve para 2 (duas) ou até 3 coisas! Afim de explicar essa parte sem ter o risco de sobrecarregar ninguém com bastante informação, separei tudo em forma de lista e ela se encontra logo abaixo.

-Gunboots:
  • Os tiros matam inimigos;
  • Destroem objetos do cenário e, no geral, é a principal forma de interagir com o ambiente ao redor;
  • Desacelera a velocidade da queda e ajuda a movimentar o personagem no ar.
-Inimigos:
  • Ameaçam o jogador;
  • Soltam gemas ao morrerem;
  • Recarregam munição ao morrerem por um pulo;
  • Matá-los inicia uma cadeia de combos.
-Combos:
  • Quanto maior o número de kills no combo, maior a quantidade de recompensas (voltadas para gemas, munição e saúde);
  • Incentiva os jogadores a jogarem da forma como o desenvolvedor quer, isto é, como uma excêntrica e louca dança de salto de um inimigo para o outro.
-Pousar (voltar pro chão):
  • Finaliza combo;
  • Recarrega a munição;
-Gemas:
  • Podem ser gastas em lojas para comprar itens voltados pra saúde e aumento do total de munição;
  • O acúmulo geral de gemas desbloqueia novos estilos de jogo e temas visuais;
  • Inicia o modo Maisgemas, onde os tiros tem mais alcance e os projéteis ficam maiores desde que colete mais gemas.
-Cavernas ou Subsalas:
  • Descanso da adrenalina (pousar no chão desses locais não finaliza o combo);
  • Tesouros (armas novas ou mais gemas).
-Armas:
  • Uma arma nova pra brincar;
  • Bônus de saúde ou de munição;
-Saúde:
  • Itens e Bônus recuperam saúde;
  • Quando a saúde está cheia, ao coletar um item ou ganhar um bônus de saúde uma barra branca que se encontra abaixo da barra de vida enche e ao ser completada (após quatro pontos serem acumulados) o limite dos pontos de vida aumenta.
-Estilo:
  • Mais entretenimento;
  • Deixa o jogo mais fácil e mais difícil ao mesmo tempo, ou seja, uma cilada.
-Estética:
  • Um estilo retro diferenciado e charmoso;
  • Ajuda a compreender e identificar cada informação presente no jogo em alta velocidade. Áreas seguras aparecem em branco, inimigos e ameaças aparecem na cor de destaque, quando um inimigo pode ser derrotado esmagado a parte superior dele é pintada de branco e quando os oponentes forem todos na cor de destaque significa que só poderão ser derrotados com tiros.
-Upgrades:
  • Fornecem melhorias convenientes;
  • Algumas influenciam sobre outras melhorias, não só às mecânicas;
  • Ao mesmo tempo que ajudam, podem atrapalhar dependendo da preferência de cada um.
Recompensas: 8 kill combo = 100 gemas; 15 kill combo = 100 gemas e +1 de munição; 25 kill combo = todas as anteriores e +1 de saúde.

Sintonia e Equilíbrio

Como pode ser sutilmente notado no tópico anterior, uma boa mecânica de multiuso precisa estar em sintonia com as outras, isto é, fazer com que não entrem em conflito para oferecerem uma experiência satisfatória e evitar que os jogadores achem os controles confusos, e Downwell faz isso de um jeito exemplar. Como os comandos básicos são intuitivos e dinâmicos, o resto flui naturalmente e pode ser absorvido em pouco tempo. Mas a sintonia também serve para garantir escolhas e opções interessantes para os players, por exemplo, um jogador entra numa caverna para pegar uma arma com bônus de saúde e por sorte é o que tem nela, no entanto a arma que vem junto é inconveniente para o estilo de jogo dele. Uma outra situação envolve os combos, é inegável que quanto mais melhor, todavia perder vida no meio do processo torna o propósito do combo longo inútil, realizar esses combos é uma atitude perigosa. As mecânicas presentes no game estão recheadas pela filosofia Risco X Recompensa, algo que contribui para os jogadores tomarem decisões difíceis e arriscadas, sem contar que é a forma do desenvolvedor de encorajar os players a jogar da forma que ele quer, como dito brevemente no tópico passado. Além disso tudo, ajuda o jogo a ter um tempo maior de vida e oferece pequenos desafios extras que não são oferecidos pelo jogo, mas que os jogadores podem fazer para si mesmos afim de testar e aprimorar suas habilidades, como fazer combos enormes acima de 100 kills. E isso torna os níveis iniciais mais atrativos na milionésima tentativa, afinal, Downwell é difícil e é muito improvável que os jogadores novatos o finalizarão na primeira tentativa.

Saindo um pouco da linha de funcionamento das mecânicas, gostaria de falar sobre o restante que contribui para fornecer uma experiência equilibrada e de longa duração, o que inclui o level design e o conteúdo desbloqueável, respectivamente. O jogo tem no total 4 mundos e mais um chefe, cada mundo tem 3 fases e todas possuem ao menos três cavernas laterais de descanso (uma delas pode ser a lojinha de itens). O primeiro mundo, chamado de Cavernas, é o mais simples de todos, tem inimigos comuns, voadores, alguns que saltam e outros que ficam nas paredes, além de uma certa abundância em blocos destrutíveis. As Cavernas funcionam mais como uma fase de tutorial ou uma sala de treinamento para o que virá a seguir. O segundo mundo, chamado de Catacumbas, tem certos chãos onde ao pisar irão revelar espinhos por baixo causando dano em quem ficar por muito tempo em cima deles, fora isso há fantasmas que atravessam os blocos perseguindo o personagem do jogador seja de baixo para cima ou vice-versa e caveiras que ficam mais fortes ao atirar nelas, tornando o ato de pular em cima delas a melhor forma de matá-las. O terceiro mundo, chamado de Aquífero, é singular, pois é o único que contém a mecânica do fôlego, simbolizado pelo temporizador, e isso força os players a serem ligeiros em buscar continuamente por barris com bolhas para continuar mantendo o tempo grande. Nele também pode ser encontrado a lula, um inimigo que se não for morto irá realizar um ataque vertical de cima para baixo quando o jogador estiver abaixo dele, e corais vermelhos que causam dano ao encostar nele, um obstáculo que também tem seu conceito aproveitado no mundo seguinte. O quarto mundo, chamado de Limbo, é o extremo do ying e yang, porque quase não possui chão e isso é bom e ruim, afinal, fica mais fácil de combar, mas todos os inimigos desse lugar só podem morrer com tiros e os únicos métodos de recuperar munição são através das cavernas ou pulando em cima dos objetos flutuantes do local. E por fim, encontra-se o chefe que o levará por todos o mundos testando sob pressão as habilidades adquiridas na aventura. Primeiramente gostaria de falar sobre como Downwell gradativamente aumenta sua dificuldade. A cada fase e a cada mundo surgirão cada vez mais dificuldades que incentivarão os players a jogar de forma mais veloz e agressiva aos poucos, ainda mais sabendo que o preço dos itens das lojas ficarão ainda mais caros... Em segundo lugar, é fascinante como cada mundo é tão distinto um do outro, cada um deles possui características únicas e especiais, o que é algo impressionante, considerando o fato que o fundo não altera sua textura em momento algum, graças a sua excelente produção na parte visual e sonora.

Quanto aos conteúdos desbloqueáveis, a quantidade é realmente agradável, os chamados "estilos" oferecem uma maneira nova e interessante para jogadores que acabam enjoando do estilo "padrão" e a dificuldade "difícil" mostra um desafio ainda maior para jogadores dedicados e determinados, embora eu ache ela um tanto quanto exagerada, principalmente no quarto mundo que basicamente é uma verdadeira bagunça visual, já que todos os inimigos de todos os mundos estão presentes lá nessa dificuldade, o que dá a sensação de estranheza e torna a experiência extremamente caótica a partir desse ponto. Só que maior parte do conteúdo desbloqueável está voltado para paletas de cores alternativas, o que pode ser bom por um lado e ruim por outro, já que a variedade nesse quesito é alta e isso garante uma chance maior das pessoas deixarem o jogo com a cara delas, porém não há muito além disso, a parte estética cobre o macro do conteúdo extra e alguns deles... Digamos que faz meus olhos lacrimejarem.


MEUS OLHOS!!!!!

Conclusão

Downwell pode não ser uma grande obra-prima dos video games, o conteúdo extra não é tão diversificado e pessoalmente queria que tivesse mais chefes, entretanto tem uma das ideias mais originais que já vi em um jogo nesses últimos anos e apresenta muita profundidade e complexidade sem ter a necessidade de trabalhar com muitas mecânicas e muitos botões. É um game que oferece uma experiência sólida e satisfatória dentro do que propõe, ainda mais considerando seu preço, na Steam custa uns 6 reais e no PlayStation 4 uns 15 reais, eu comprei pro PS4 numa promoção onde o jogo tava custando uns 3 reais e valeu cada centavo. Enfim, a minha principal intenção nesse post era apresentar esse intrigante jogo para quem nunca ouviu falar e explicar o porquê dele ser tão elogiado por aí.



Outras fontes de pesquisa e apoio:

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