Forbidden Kingdom (O Reino Proibido) Review - Podia Ser Melhor


Eu sou um grande fã de filmes de Kung Fu. Além de proporcionarem belíssimas cenas de luta com coreografias espetaculares, são recheados de ensinamentos e provérbios sábios, bonitos e interessantíssimos. E Forbbiden Kingdom (ou O Reino Proibido, no Brasil) entrega para o público justamente todos os elementos admiráveis desses longas. Todavia o resultado, apesar de ter se saído muito bem em vários aspectos, é meio decepcionante, ainda mais levando em conta do quanto a obra tinha potencial para ser uma verdadeira obra-prima, mas que ao fim de tudo acabou não alcançando esse ponto devido aos problemas de roteiro e narrativa presentes nela. Lançado em 2008 e tendo como o principal destaque o fato de ser o primeiro filme a mostrar Jackie Chan e Jet Li  que na época eram os dois atores de artes marciais mais populares da indústria cinematográfica  no mesmo filme, o título pode não ter tido um resultado negativo ou mesmo extremamente decepcionante, porém provavelmente deixará várias pessoas chateadas com a perda do potencial enorme que havia nessa produção chamativa e empolgante.

Então coloquem essa música pra tocar e iniciem a que eu espero ser uma boa leitura.
OBS: terão MUUUUUUUITOS SPOILERS nesse review!!! Estão avisados...


Sinopse

"Em Boston, o adolescente Jason Tripitikas, um fã de filmes de artes marciais, visita a loja de penhores do ancião chinês Hop em Chinatown e lá descobre um cajado de ouro. No caminho de volta pra casa, Jason é forçado por Lupo, o líder de uma gangue de hooligans, a participar de um assalto a loja de Hop, que é baleado por Lupo. Hop manda Jason devolver o cajado ao legítimo dono e este, fugindo de Lupo e sua turma, cai de um terraço e surpreendentemente acorda na China Antiga. Soldados tentam tomar seu cajado, mas ele consegue ficar com o objeto ao receber a ajuda na luta de um misterioso e habilidoso lutador bêbado chamado Lu Yan. Este conta a Jason a lenda do cajado: há 500 anos, o objeto teria pertencido a uma divindade conhecida como Sun Wukong (Rei Macaco), que fora enganada pelo Déspota de Jade e transformado numa estátua de pedra. Antes de ser imobilizado, o Rei Macaco lançara o cajado num lugar desconhecido dentro do Império do Meio Chinês. E uma profecia dizia que um viajante deveria trazer o cajado de volta ao Rei Macaco, para que ele enfim derrotasse o Déspota e possibilitasse a volta do sábio Imperador de Jade." Sinopse retirada da Wikipédia, adaptada.

Como pode ser notado, a trama é levemente baseada no conto Jornada ao Oeste – o mesmo que inspirou Dragon Ball, tanto que marca a presença de um dos personagens da obra, que no caso é o Sun Wukong ou Rei Macaco. Esse detalhe, junto dos resto da sinopse, meio que entrega um pouco o tom do filme: uma aventura em direção à um lugar com um objetivo pré-estabelecido e no decorrer dela, o protagonista vai formando amizades, acumulando companheiros, enfrentando inimigos e ficando mais forte. Essa é uma fórmula que pode ser vista em diversos outros shows, como no já citado Dragon Ball, no entanto também está presente em One Piece, JoJo's Bizarre Adventure Stardust Crusaders e Magi, por exemplo. Quando percebi isso, fiquei bastante animado, já que adoro narrativas nesse estilo e foi um aspecto do longa que foi bem executado do começo ao fim, afinal há um clima legítimo e satisfatório de uma verdadeira "Jornada do Herói".

Quem aí se lembra de Sun Wukong?

História

Está mais do que claro que a história é simples, afinal trata-se de uma jornada com metas já definidas logo no começo e outras tropes marcantes do gênero bastante utilizadas desde muitos anos, portanto durante a experiência é possível prever vários eventos da trama ao notar pequenos detalhes nela (dependendo, é claro, da bagagem cultural de cada um), inclusive quero comentar sobre um deles mais pra frente, entretanto vamos por partes. Enquanto Forbidden Kingdom sofre com a falta de singularidade na parte de progressão narrativa, o título brilha em alguns aspectos e em outros apenas se sai bem ou acaba falhando. Começando com os méritos, o filme realmente dá a sensação de que os personagens estão numa aventura, porque eles viajam através de locais diferentes, evoluem com o passar do tempo e os dias passam. É cheio de piadas e gags divertidas, tem personagens carismáticos e os provérbios encaixam-se apropriadamente nas cenas que aparecem. No geral, o longa não fica chato em momento algum, sendo sincero, consegue divertir ao fim de tudo, apesar de não ser nada excepcional. Contudo o problema encontra-se justamente aí, ele podia ir além... E essa é uma peculiaridade que desagrada principalmente os mais exigentes e atenciosos, enquanto expectadores comuns talvez fiquem incomodados de um modo deliberado.

A maior concentração de problemas encontra-se da metade até o fim do filme. No meio dessa parte há um trecho onde Jason aparece progredindo no seu treinamento de kung fu e não muito depois já conseguia lutar contra alguns inimigos demonstrando habilidades bem acima da média. Isso foi estranho, porque a graça desses filmes é ver os personagens progredindo através de lutas, não só por meio de treinamento. E não demorou muito pra notar o que ferrou de vez Forbidden Kingdom: a curta duração! O longa dura cerca de uma hora e quarenta minutos, é tempo insuficiente para desenvolver quatro heróis e dois vilões. Aparentemente ele era pretensioso demais para o tempo estabelecido... Por esse motivo deviam ter rushado bastante a história na reta final, o que gerou a sensação de que etapas essenciais foram puladas. O show apresenta boas ideias nos momentos finais, algumas funcionam (a maioria plot twists ou empolgantes reviravoltas) e outras não foram tão bem aproveitadas e/ou não atingiram totalmente a meta almejada. Para exemplificar, comentarei sobre dois momentos dentro dessa esfera que obtiveram resultados positivos e negativos respectivamente: o momento em que o personagem interpretado por Jackie Chan é atingido por uma flecha envenenada e é afetado pelo mesma, assim revelando que não é imortal, cria uma boa atmosfera de urgência e contribui para tornar a emoção do clímax mais genuína e gratificante; Já a parte de viagem no tempo gerou problemas de paradoxo e este é um ponto que quero detalhar um pouco.

Após o antagonista ser derrotado, Jason consegue a chance de voltar para casa e, quando volta, o bastão não está mais em suas mãos. Em seguida derrota o líder daquela gangue de hooligans do começo da história que ainda estava o perseguindo e depois procura Hop (também interpretado por Jackie e acredito que esta informação já deixou certas coisas bastante claras para alguns) que diz que vai sobreviver, porque o sujeito diz que é imortal!! Para quem não assistiu o filme e mesmo assim está lendo esse post, Lu (papel principal de Jackie Chan na obra) bebe o elixir durante o clímax e vira imortal! Ou seja, com o passado alterado, toda aquela intriga de devolver o bastão para o dono jamais aconteceria e Jason não teria aprendido Kung Fu para enfrentar os hooligans... A viagem no tempo aqui é bastante simples, portanto não é preciso ter uma suspensão de descrença tão forte para tolerar isso e aproveitar a narrativa, porém o furo de roteiro em questão prejudicou a minha imersão na experiência e é um problema que poderia ter sido facilmente resolvido apenas deixando pequenos detalhes no subjetivo (uma decisão boa para possibilitar diversos tipos de interpretações mais amplas, inclusive uma delas consiste em encarar esse evento como sendo algo próximo de um "isekai" e não uma viagem no tempo em si), diferente do que ocorreu no resultado final onde as informações ficaram consideravelmente explícitas. Fora os plot holes, tem ainda a falta de lógica e explicação do fato de que no lugar para onde o personagem principal foi transportado todos falam mandarim (ou cantonês, ou chinês... EU NÃO SEI), no entanto convenientemente todos os indivíduos de importância para o roteiro conseguem falar em inglês e não demora muito para essa decisão vergonhosa ser ignorada e deixada completamente de lado na narrativa para nunca mais ser abordada novamente nela...

A reta final ficou bem apressada...

Personagens

Neste tópico falarei não apenas sobre os personagens da trama, mas também do modo como seus respectivos problemas técnicos (isto é, os não relacionados às desvirtudes deles) afetam negativamente a experiência com o enredo. Contudo antes de tocar nesse assunto, abordarei o que foi feito de modo competente ou célebre. Todos os heróis possuem motivações claras e diversificadas: um jovem quer voltar para seu lar, uma guerreira deseja vingança, um monge está em missão e um lutador bêbado oferece ajuda por ter um coração mole. O mesmo aplica-se aos backgrounds e, embora duas das figuras principais não revelem por completo esse último aspecto citado até a reta final por razões que envolvem plot twists e dramatização, as origens dos personagens são respeitadas e seguem consistentes até à conclusão da história. A interação entre eles é MUITO divertida, vê-los conversando, lutando/treinando juntos e tirando sarro um do outro é deveras satisfatório, dando destaque para a rivalidade mortal entre Chan e Li. Só gostaria que a heroína fosse mais participativa nesses momentos mais descontraídos, senti que ela ficou meio de fora dessas partes e tem somente UMA cena próxima disso que é no trecho em que Jason está sendo judiado pelos mestres durante os exercícios e a mesma dá risada daqueles três patetas. Nas outras essa garota continua bem sóbria e talvez isto não seja algo necessariamente ruim, já que ter um personagem totalmente sério (ou próximo disso) que não é um antagonista contribui para o público encarar a história com um olhar mais solene.

Quanto aos problemas, tenho bastante para compartilhar... Enquanto o pretexto dos personagens é coerente, eles são essencialmente simples e com pouca profundidade. Alguns como o Lu (Jackie Chan) e o Monge Silencioso (Jet Li) compensam através do carisma, entretanto o protagonista e a heroína não só carecem disso como chegam a irritar desde certo ponto do enredo! A trama tenta criar um romance entre os dois, todavia é algo muito simplório e já dá indícios de que vai haver tragédia ou uma despedida difícil no fim, afinal a garota está querendo se vingar. Através dessas desvantagens rodeando-os, obtém-se uma construção de vínculos emocionais praticamente nula com essas figuras e isso faz com que qualquer coisa que ocorra entre eles seja desinteressante e é o que acontece!! A garota é morta pelas mãos do vilão imortal e esse evento que estava fadado a ser ruinzinho FICOU PIOR, porque ela tinha um projétil capaz de matá-lo (inclusive é um detalhe revelado lá pela metade do filme), mas a mesma ANUNCIA O ATAQUE E REVELA SEU TRUNFO PARA UM CARA QUE CONSEGUE USAR MAGIA!!!!! Sério, fiquei até um pouco aliviado com o falecimento dela, por mais errado que isso soe. E a característica do Jason ser fã de filmes de artes marciais não vai além de mostrar que é só um "Kung Fu Movie Nerd" e que aprendeu quase nada com essas coisas.

Os vilões são tão simplórios quanto. A impressão dada é a de que eles só existem, porque o roteiro precisa para funcionar e continuar seguindo em frente, logo não passam de meros obstáculos vivos. E os poucos detalhes deles que são expostos só fortalecem a construção da antipatia que a audiência sente em relação aos dois, tendo em vista que as motivações e o posicionamento deles tem como origem o benefício próprio acima de qualquer coisa: o vilão anseia pelo controle absoluto de tudo em suas mãos e pela morte daqueles que se opõem contra ele, entre outras palavras, é um tirano. A vilã é uma feiticeira mercenária que obedece o vilão com o intuito de conseguir o Elixir da Vida para tornar-se imortal. Como se já não bastasse esses caras terem sido reduzidos a chefes de videogames, a história faz questão de tentar conquistar o desprezo coletivo mínimo das pessoas para desenvolvê-la o mais facilmente possível, conseguindo prender despreocupadamente a atenção do público em conflitos simplistas.

Dois f0dões e dois manés.

Produção

Se por um lado a parte de enredo é fraca, por outro a produção é onde o show acerta em cheio. Forbidden Kingdom não executa perfeitamente tudo voltado para esse aspecto, porém devo admitir que a produção não poupou esforços nisso. O figurino consegue ser bem variado ao mesmo tempo que mantém a fidelidade com a época do local ambientado e ainda conta com um pouco de magia adicionada nele para combinar com a história mística e de fantasia oriental. A maquiagem também é de ponta, dando destaque para a pintura de cabelo feita na Li Bingbing, sua cabeleira longa e prateada dá uma forte sensação de que a personagem realmente é uma feiticeira. As fotografias são, no geral, belas e deslumbrantes, contudo é mais por conta das paisagens distintas, coloridas e chamativas (que acredito fortemente que foram feitas no chroma key). A direção sofre de alguns problemas mais voltados para as cenas de ação, aspecto esse que pretendo me aprofundar no próximo tópico que reservei exclusivamente para ele, só que o longa felizmente não segue os maus hábitos do cinema atual que usufrui de técnicas repugnantes como a câmera na mão balançando, enquadramentos fechados e cortes constantes, por exemplo, e os ângulos dos planos são sempre agradavelmente dinâmicos, mostram sequências de combate com um tempo alto de duração e claridade visual. A trilha sonora consiste de músicas decentes e que encaixam-se adequadamente nas cenas em que aparecem e com a proposta da obra como um todo, só que não é algo nem um pouco memorável.

Apesar do longa ter sido claramente inspirado nos antigos filmes de kung fu, que geralmente focavam-se em combates mais realistas ou semi-realistas, ele pega elementos dos filmes de artes marciais com espadas de Hong Kong da mesma época também. Nesses títulos, que na verdade não eram apenas de espadas, pois uma grande variedade de armas cortantes eram exploradas neles, os personagens tinham super-poderes e podiam voar!! Em Forbidden Kingdom é possível identificar figuras que encaixam-se nessa categoria, dentre elas temos o próprio Sun Wukong. E isso nos leva ao assunto de Computação Gráfica e Efeitos Especiais presentes no show: o CG utilizado para representar as habilidades e técnicas mágicas é sólido e não incomoda ou causa estranheza, visto que são aplicados de modo minimalista e em trechos específicos. Enfim, ao meu ver, a obra conseguiu mesclar competentemente os dois estilos e, consequentemente, definir uma excelente identidade tanto temática quanto visual. É perceptível que há um bom equilíbrio entre os dois estilos.

Que Feiticeira Encantadora... Alguém pode me matar, por favor?

Lutas

Pessoalmente tenho alguns problemas com os combates marciais de Forbidden Kingdom. Não se enganem, eles não são ruins, ainda mais quando comparados aos filmes de ação que Hollywood produz na conjuntura contemporânea, no entanto são fracos ao serem colocados do lado das lutas de Kung Fu do cinema de Hong Kong. Antes de chegar nesse ponto, irei fazer algumas considerações e contextualizações: o responsável pela coreografia foi um sujeito chamado Yuen Woo-ping, que já trabalhou no mesmo cargo em Drunken Master, Kung Fu Hustle, Kill Bill (Volume 1 e 2) e na Trilogia Matrix, ou seja, o cara tem um bom currículo e esse longa é mais uma prova do quão talentoso é nessa área, pois as cenas de ação são excelentes, nem um pouco repetitivas, cheia de movimentos e técnicas deslumbrantes, momentos memoráveis e um verdadeiro espetáculo de artes marciais. E como é um filme de fantasia, há uma variedade enorme de possibilidades para os duelos ficarem mais atraentes e elas são agradavelmente exploradas através de ideias divertidíssimas, como o fato da Feiticeira lutar com cabelos ou o Sun Wukong utilizar mágica para levitar o seu bastão e fazê-lo lutar contra o Déspota de Jade, por exemplo.

Todavia é aqui que a alegria acaba, porque certas decisões do diretor estragaram parte da magia e da graça dessas lutas! Uma bem conhecida foi revelada numa entrevista do título com Jackie Chan, onde este comenta que após observar duas vezes, junto de Jet Li, a demonstração do combate atuado por dublês, ambos decidiram filmar a tomada imediatamente e, apenas de brincadeira, se exibiram para os outros através de uma performance impressionante e que não falhou um golpe sequer durante a gravação! Entretanto o diretor pediu para repetirem, os dois perguntaram o porquê disso e ele respondeu que foram rápidos demais... Essa foi uma terrível decisão, ainda mais de um show que tenta fazer uma homenagem aos filmes de Kung Fu e que conta com a presença de atores aclamados pela atuação altamente veloz de cenas de combate!! E não para por aí, como se não bastasse a velocidade do duelo ter sido reduzida, o clipe inteiro apresenta diversos trechos com slow motion... Tá Police Story (exemplo) tem uma cacetada de trechos assim, contudo são em momentos específicos, com o propósito de dar ênfase em "hits" mais poderosos e não duram tanto tempo assim  geralmente cobrem apenas uns cinco segundos de tempo. Na batalha de maior destaque de Forbidden Kingdom, a câmera lenta aparece em bastantes planos em que não há necessidade desta aplicação e isto, somado aos movimentos desacelerados, faz com que as lutas da atração, não somente esta em particular, soem notavelmente lentas e limitadas.

Só para testar: qual vocês acham melhor, essa?

Ou essas???



Como um fã dos filmes dos anos oitenta e noventa de Jackie Chan, isso é realmente decepcionante. O tão aguardado duelo entre ele e Li deixou a desejar, não pelo mal desempenho dos artistas, mas pelas decisões equivocadas do diretor. A propósito, aparentemente um monte de diretores dos EUA não entendem as características fundamentais do estilo de cenas de luta do Jackie, e muito menos do cinema tradicional de Hong Kong. Uma pena, esse pessoal tem bastante o que aprender nesse quesito.

O tão aguardado Chan VS Li é... Apenas uma boa luta e nada mais, ou seja, broxante!

Conclusão

Forbidden Kingdom não é terrível, acerta em vários aspectos, tem ideias boas e consegue divertir, só que é lamentável o quanto esse longa, acima de tudo, é um belo desperdício de potencial causado por más decisões na produção e no roteiro. E apesar de ter criticado-o durante, eu não detesto ele, pra falar a verdade adorei esse negócio, me divirto até hoje com o mesmo, só fico triste que não seja de fato um show melhor e mais caprichado. Em resumo, não é um filme ruim, entretanto não é um filme bom também... Recomendo para quem realmente adora esse tipo de conteúdo, aos que não se interessam ou não conhecem muito a respeito, talvez esse não seja o título mais adequado para umas boas vindas ao cinema do Kung Fu!

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