Ficção Lidando com Diversidade de Idiomas na Trama


Dentre os animes da atual temporada, o que mais estou curtindo é Vinland Saga. É bonito, bem animado, a abertura e o encerramento são lindíssimos, a proposta é interessantíssima por ser muito incomum nesta indústria, o roteiro é bem escrito e os personagens são altamente relacionáveis. E o último episódio exibido mostrou novamente que a obra é extremamente caprichada... Exceto por um detalhe: no capítulo em questão houve um momento onde um personagem falava um idioma diferente de outros dois personagens e por isso eles não conseguiam se comunicar, mas não foi tão convincente pelo fato de todos eles estarem falando em japonês! É notável que até tentaram se esforçar ao máximo para não gerar ambiguidades através de frases como "Ele não deve falar nossa língua!" ou "Eu disse pra você correr, falei até em inglês!!", só que não funcionou comigo, a imersão daquela parte já tinha ido pro beleléu. Isto não deixa o episódio ruim ou a série como um todo ruim, porém estabelece uma estranheza incômoda no ar, porque soa como se as cenas em que essas coisas ocorreram foram "dubladas" afim de garantir que os expectadores principais, no caso os japoneses, consigam entender o que cada uma das figuras está dizendo confortavelmente, sem contar que essa minúscula falha já é o suficiente para lembrar que o material consumido é fictício, o que consequentemente engaja menos os expectadores.

É um detalhe pequeno e inofensivo no macro, ainda mais considerando que isso pode ser algo passageiro e que possivelmente não irá repetir-se (ou que assim espero), contudo não deixa de ser frustrante, principalmente ao perceber que é um problema que poderia ser facilmente corrigido colocando as outras duas figuras, que na história são inglesas, para falar inglês mesmo!! Creio que não seja tão difícil tomar esta decisão, pois outros animes como Kuroko no Basket e Carole & Tuesday já demonstraram personagens falando inglês em momentos específicos e o desempenho dos profissionais discursando o idioma foi muito bom. "Ei Bill, mas aí não teriam que colocar os Dinamarqueses pra falar a língua deles ao invés do japonês?" Não necessariamente, claro que seria melhor e mais convincente, no entanto apenas ter dois grupos de personagens discursando diferentes idiomas já seria o suficiente para a audiência captar e se importar mais com o momento, visto que seria possível notar a gravidade da situação em questão de segundos apenas OLHANDO e OUVINDO! Neste tipo de mídia certos aspectos ficam melhores quando não são contados e sim MOSTRADOS através de um aproveitamento mais rico dos recurso que ela dispõe. É um ponto similar ao dos quadrinhos, todavia a indústria audiovisual (no caso animação) tem um componente adicional que é o som, logo ele tem que ser levado em consideração também.


Espero que isso não se repita.

Esse papo todo me lembra do filme Forbidden Kingdom, que inclusive já fiz análise aqui no site, cliquem no link se estiverem interessados... Ca-ham! Enfim, neste longa que eu adoro, embora seja bem fraco, tem algo que passou a me incomodar quando o re-assisti recentemente e é a forma como o mesmo trata a diversidade de idiomas. No título o protagonista, Jason, é enviado para a China antiga através do bastão mágico de Sun Wukong e chegando lá ele não consegue se comunicar com os habitantes por não saber falar o idioma local, entretanto convenientemente todos os indivíduos de relevância para o roteiro conseguem falar inglês por alguma razão e não demora muito para esse detalhe ser ignorado e deixado de lado na trama para nunca mais ser abordado novamente, a não ser para fazer algumas piadinhas. O mais bizarro é que certos personagens (os dois vilões e as figuras interpretadas por Chan e Li para ser mais específico), ao conversarem entre si utilizam o idioma local e para conversar com o protagonista alternam para o inglês sem nenhum motivo aparente, não se sabe como eles aprenderam essa língua e nem a razão de insinuarem que Jason é falante da mesma (como exceção da cena onde o moleque encontra Jackie pela primeira vez) ou sequer tentam se comunicar em mandarim/cantonês com o cara antes de concluir que ele não fala o idioma deles...

Este é outro caso lamentável por também consistir de uma solução fácil, além de que está relacionado com outro defeito da obra que destaquei na minha review. O problema poderia ser facilmente resolvido ao colocar todos falando inglês e não teria problema algum com o idioma aqui, porque é um filme de fantasia. Certas obras tentam tomar cuidado com a barreira da linguagem, mas nem sempre é necessário. E essa solução se encaixaria perfeitamente caso Forbidden Kingdom encarasse a viagem de Jason como sendo interdimensional e não temporal, como ficou claro ao final do filme. Por realmente ter viajado no tempo e para uma época e local específicos do nosso mundo, o fato de ter a barreira do idioma torna-se crível, porém ainda soa como uma decisão inconveniente, pois, além das imperfeições já destacadas, ao final da história é possível notar certos plot holes que foram gerados ao destacar o evento ocorrido com o herói como sendo uma viagem no tempo! Novamente, um detalhe que seria suavizado ao declarar tudo como uma viagem interdimensional e que seria o cenário perfeito para não haver preocupações com diversidade de idiomas. Claro que certos aspectos que envolvem o impacto dos eventos que ocorrem naquele universo paralelo afetar o nosso mundo teriam que ser trabalhados com um pouco mais de cuidado na narrativa, todavia eu enxergo isso como um ponto positivo, considerando que havia um potencial dessa série de decisões em poder deixar uma brecha para uma continuação ou tornar algumas partes mais interpretativas. Ok, desviei um pouco do assunto, só que eu não queria deixar dúvidas em alguns tópicos, me perdoem.


Esse filme é cheio de problemas, mas eu adoro ele!

Beleza, mas o que eu quero dizer com tudo isso?! Simples, se a obra decide ou precisa lidar com a diversidade de idiomas em sua história, ao meu ver todas elas deveriam seguir o exemplo de Inglourious Basterds (Bastardos Inglórios) ou pelo menos aprender umas coisinhas com ele. Neste filme, dirigido e roteirizado por Quentin Tarantino, acompanhamos uma história ambientada na França do início dos anos 40, época onde o país estava sendo ocupado por Nazistas (Segunda Guerra Mundial). E um dos núcleos consiste numa equipe de soldados judeu-americanos que atuam atrás das linhas inimigas e estes eventualmente recebem apoio dos britânicos. Muito bem, agora está claro aonde quero chegar: o longa trabalha com grupos de personagens que estão divididos em três diferentes nacionalidades, ou seja, três diferentes línguas! Todos eles aparecem discursando seu devido idioma, o idioma local ou simplesmente optando por comunicar-se em um certo idioma por algum outro motivo dito imediatamente na trama. Tarantino não sacrifica a imersão, ou o que muito gostam de chamar de "realismo", pelo conforto do público americano, na verdade o cineasta até brinca com esse aspecto e zomba do fato dos americanos terem preguiça de aprender outras línguas através do uso constante de LEGENDAS e de falas como "Os americanos sabem outro idioma além do inglês?!". Fora certas situações onde membros dos Bastardos (americanos) se passam por pessoas de outros países, contudo mal conseguem manter o disfarce ao demonstrar que possuem um conhecimento extremamente pobre da linguagem correspondente. E até a performance dos personagens falando uma certa língua influencia na história, como na brilhante cena da Taverna que é uma das minhas favoritas do diretor!

Tá, posso ter pegado um pouco pesado agora por colocar as duas obras anteriores ao lado de uma grande Masterpiece de Quentin Tarantino que leva este assunto a um patamar bem elevado, mas ainda assim é um excelente material de aprendizado. Além de que há outros filmes que trabalham muito bem com diversidade de idiomas, como Rush Hour e Rumble in the Bronx. Mesmo que esses dois não sejam tão impressionantes quanto o resultado de Inglourious Basterds, eles fazem um uso sólido do tópico ao ser um detalhe que tem impacto no desenvolvimento da história e convencer por estar realmente sendo mostrado. E parando pra pensar, Vinland Saga e Forbidden Kingdom meio que são antônimos quanto ao assunto: o primeiro aborda o tema como sendo uma peça fundamental da narrativa, só que carece de imersão; o segundo até consegue convencer, porém deixa o detalhe de lado ao ponto de parecer completamente descartável. Acredito fortemente que esses são os dois requisitos principais que precisam ser respeitados para a diversidade de idioma funcionar genuinamente em uma ficção, do contrário a estranheza surgirá. Não se trata de "realismo", mas de engajamento. Este é um posicionamento um tanto quanto polêmico, porque obras que quebram a Quarta Parede intencionalmente nos fazem lembrar que estamos consumindo um material fictício e ainda continuam sendo apreciáveis! Não vou me estender muito aqui sobre essa questão, entretanto só digo que cada obra possui um objetivo diferente e tal como um título pode nos lembrar que estamos acompanhando algo irreal intencionalmente, o mesmo pode acontecer acidentalmente e ser um defeito.


Sabe, acho que essa é minha obra-prima. :v

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